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- 2º Grau
3.1. Interessado: Fundação Nacional de Saúde
3.2. Responsável, Município de Governador Newton Bello, Maranhão
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Voto
Trata-se de tomada de contas especial instaurada pela Superintendência da Fundação Nacional de Saúde no Estado do Maranhão, em face de Leula Pereira Brandão, ex-prefeita de Governador Newton Bello, Maranhão, em razão da sua omissão no dever de prestar contas dos recursos transferidos ao município, no âmbito do Convênio 83/2005, tendo por objeto a implantação de Sistema de Abastecimento de Água, nos povoados União e Dom Pedro.
Conquanto o Convênio tenha sido celebrado em 2005, os recursos financeiros destinados à execução do objeto foram transferidos ao município entre agosto de 2009 e julho de 2012, na gestão da responsável.
Os recursos orçamentários transferidos ao Município provieram da gestão 36221, diversa da gestão do Fundo Nacional de Saúde (gestão 36901) .
Visitas técnicas realizadas pelo órgão concedente nos mais de quatro anos de vigência do convênio, após a transferência da primeira parcela, atestam a realização de aproximadamente 96% (noventa e seis por cento) do objeto pactuado, sem, contudo, identificar a fonte de custeio das obras.
Esgotado o prazo para prestação de contas, quedou-se inerte a responsável. Instada a cumprir tal dever pelo órgão concedente, mesmo assim, manteve-se silente.
Regularmente citada, compareceu aos autos para apresentar alegações de defesa em que sustenta, em síntese, que:
é possível prestar contas por meio da simples execução do objeto do convênio;
a falta de prestação de contas não constitui ato de improbidade administrativa, porque, no caso, não houve dano ao Erário;
a apresentação das contas devida restou prejudicada pelo saque de documentos havido na Prefeitura;
aplicou os recursos do convênio em outras ações da mesma natureza, sem má-fé.
II
São absolutamente despiciendos os argumentos da gestora acerca da validade de prestação de contas ficta, resultante da simples execução do objeto pactuado.
O dever de prestar contas, de matriz constitucional, é inerente à gestão de recursos públicos, constituindo um dos pilares do sistema republicano. A sua ausência significa não somente o descumprimento da Constituição e da legislação em vigor, mas a violação da transparência na prática dos atos de gestão, a ausência de comprovação da lisura no trato com a coisa pública, a possibilidade sempre presente de que a totalidade dos recursos públicos federais, transferida ao Município, tenha sido integralmente desviada, em benefício de administrador ímprobo, ou de pessoas por ele determinadas.
Pela concreta violação de normas e princípios fundamentais, a exemplo do da legalidade, moralidade e publicidade, não deve ser tolerado tal comportamento por parte do administrador.
Na hipótese dos autos, a responsável vem infringindo esse dever desde o órgão de origem, tendo já rejeitado diversas oportunidades de prestar contas ou de recolher o débito que lhe é imputado, preferindo não o fazer.
De igual sorte, nenhuma relevância se pode emprestar à tese de que a omissão narrada não constitui ato de improbidade administrativa, porque o presente processo não cuida de responsabilizar a gestora local por infração tipificada na Lei 8.429/1992, mas de julgar as contas por ela devidas, nos termos do que assenta o art. 71, inciso II, da Constituição Federal.
Não prospera, ainda, o argumento relativo ao suposto saque dos documentos necessários à prestação de contas da Prefeitura, porque a responsável não apresenta o boletim de ocorrência que alega haver sido lavrado à época dos fatos.
Além disso, o fortuito ou força maior somente libera o gestor do dever de prestar contas no caso de impossibilidade absoluta do adimplemento do dever constitucional. Se a impossibilidade for relativa, obriga-se o devedor a cumprir a obrigação, ainda que de forma parcial.
A subtração dos documentos relativos à execução de recursos transferidos ao Município não constitui impedimento absoluto para prestação de contas, porque tais documentos podem – rectius, devem – ser reconstituídos, pelo responsável, imediatamente após o desaparecimento.
No caso concreto, não havia dificuldade para que a responsável reconstituísse a prestação de contas. Não havia impedimento à obtenção de segunda via ou cópia dos documentos fiscais emitidos pelos fornecedores e prestadores de serviço, bem como dos demonstrativos emitidos pelo Município. De igual sorte, não havia óbice à coleta de novos extratos bancários.
Importa notar que a responsável teve tempo suficiente para promover a restauração dos autos administrativos, porquanto decorridos quase quatro anos entre o esgotamento do prazo para a prestação de contas e a sua citação.
Nesses termos, o saque relatado – ainda que confirmado – não pode ser classificado como impedimento absoluto à prestação de contas, requisito indispensável à caracterização do caso fortuito ou força maior.
Na seara do processo civil, há expressa previsão e disciplina da restauração de autos, no caso de extravio de processos (arts. 1.063 a 1.069 do CPC 1973 e arts. 712 a 718 do CPC 2015) . Idêntica solução há de ser adotada no caso de extravio de processos administrativos. Encontra-se tal orientação em precedentes judiciais (TRF-1, AMS 16838/DF, Rel. Des. Eustaquio Silveira, 3ª Turma, j. 26/11/2002; TRF-3, REOMS 38145/SP, Rel. Des. Carlos Muta, 3ª Turma, j. 22/3/2006; TRF-3, AC 00035580920154039999; Rel. Des. Paulo Domingues, 7ª Turma, j. 14/12/2015) e na jurisprudência deste Tribunal (Acórdão 6.833/2016 da 1ª Câmara) .
De outro lado, se a alegada subtração de documentos ocorreu após a fluência do prazo fixado no termo de convênio pela prestação de contas, responde a responsável pela impossibilidade de apresenta-la (CC, art. 399) .
Por fim, a confissão da responsável acerca da aplicação dos recursos com desvio de objeto não a isenta do dever constitucional de prestar contas. Ademais, não se desonera a responsável do dever de comprovar a aplicação dos recursos do convênio em exame em outras ações da mesma natureza pactuada.
Caberia à responsável, na hipótese narrada, fazer prova inequívoca do cometimento da irregularidade confessada, para afastar a irregularidade a ela imputada, de maior gravidade, porque em matéria de direito financeiro “cabe ao ordenador de despesas provar que não é responsável pelas infrações que lhe são imputadas” (STF, MS 20335/DF) .
O valor atualizado do débito importa em R$ 194 mil.
Feitas essas considerações, voto por que o Tribunal de Contas da União aprove o acórdão que ora submeto à apreciação deste Colegiado.
TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 24 de outubro de 2017.
WALTON ALENCAR RODRIGUES
Relator